A democracia no papel e o papel da democracia na escola

Joice Lamb, membra da Rede Conectando Saberes explora o tema na prática e conta mais aqui:

 

A nossa Constituição, no seu artigo 206, estabelece a gestão democrática como um dos princípios que nortearão o ensino no Brasil. Esse princípio aparece novamente na LDB, explicitado pela participação dos professores e comunidade nas decisões administrativas e pedagógicas e na progressiva autonomia das escolas. A palavra democracia (democrático/democrática) aparece 18 vezes no Plano Nacional de Educação. Na BNCC, democracia e outras versões da palavra aparecem 58 vezes. Entende-se então que nós temos a democracia no papel.

Mas qual seria o papel da democracia no dia-a-dia das escolas? Como a democracia pode ajudar na busca pela tão sonhada escola pública de qualidade? O que faz com que uma escola possa ser considerada democrática ou o que faz com que uma gestão possa ser considerada democrática? A democracia é mais um conteúdo programático que devemos incluir no currículo?
Todo este tempo, desde que a nossa constituição foi promulgada em 1988, imaginamos um horizonte onde a gestão da escola pública seja realmente democrática. A democracia na escola é a nossa utopia e fica lá bem longe, colocada junto com os sonhos de valorização profissional dos profissionais da educação, de inclusão,  de diversidade e de equidade.

Penso que estamos equivocados na forma como olhamos para esta  questão. A democracia não é o horizonte, a democracia precisa ser o caminho. O horizonte é uma utopia  que nos faz caminhar, nos conta Eduardo Galeano. “Me aproximo dois passos, e ela se afasta dois passos”. O caminho é o que fazemos todos os dias a fim de chegar. Repito: a democracia precisa ser o caminho.
Precisamos ter em mente o que queremos para a escola pública. Uma escola pública de qualidade, inclusiva, diversa e com equidade. Para isso, todos os dias precisamos trilhar o caminho da democracia. Hoje sabemos que este caminho não está trilhado, pois nós só temos democracia no papel, não nos atos cotidianos. A democracia não permeia ainda as relações escolares, sejam elas administrativas, pedagógicas e financeiras. No papel, a democracia é como um mapa para lugar nenhum.

 A escola é feita todos os dias, constituída nas ações de todos os sujeitos que atuam no espaço escolar. Independente da sua posição na hierarquia, as experiências de cada um agem para formar esse todo que é a unidade escolar. A escola é um lugar de movimento, de interação, de caminhar. O ano escolar começa e termina e somos impulsionados para frente, mesmo se ficarmos parados. Por isso o caminho que trilhamos é tão importante.

Já existem no Brasil diversas experiências democráticas de sucesso em muitas escolas e redes de ensino. Precisamos agora trazer a democracia para o debate como prioridade na agenda política que busca a melhora do ensino público e tratar essas escolas como regra, não exceção. Nós já temos o mapa, agora só precisamos começar a caminhada, que deverá ser constituída tanto no macro (políticas públicas) como no micro (ações nas salas de aula).

A luta do professor, da professora e de todas as pessoas que militam ou tentam militar pela educação pública deve ser colocar o tema da gestão democrática na agenda da educação brasileira: em pesquisas acadêmicas, em congressos, em seminários e na pauta de novas políticas públicas. Na outra ponta, dentro das salas de aula, a democracia pode florescer independentemente dos decretos governamentais. Quando os professores e os gestores abrirem espaço para escutar ativamente o que dizem os estudantes e suas famílias e planejarem conjuntamente ações para transformar suas realidades, as mudanças acontecerão.

O primeiro passo seria abrir espaços seguros de participação, como as assembleias, que acontecem com frequência no mínimo mensal. Depois,    criar mecanismos, como comissões ou grupos de trabalho, que garantam que as decisões das assembleias sejam implementadas na escola. Em seguida, fazer a avaliação das ações nas pŕoprias assembleias. Este é um formato circular de reflexão – ação que funciona em qualquer contexto.

Tendo a democracia como base para forjamos nossa estrada, poderemos garantir que nossa caminhada seja impulsionada e mediada pelos valores democráticos: liberdade, fraternidade,igualdade, pluralismo de ideias, participação, diálogo, respeito. Sem ingenuidade, precisamos tirar a democracia do papel e perceber o papel que tem a democracia na melhoria da educação pública no país.

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